De tempos em tempos um Demônio costumava me visitar, ele escolhia sempre os dias mais cinzentos de minha vida, aqueles em que as dúvidas e as incertezas transbordavam meu coração, tal como uma tempestade ele surgia repentinamente e em poucos instantes provocava estragos irreparáveis, até que um dia, após uma profunda mudança interna, os sentimentos de medo e receio finalmente deram lugar para a coragem, então certo dia decidi enfrentá-lo.
Naquela manhã o Demônio chegou cauteloso e desconfiado no portão de minha casa e diferente das outras vezes, eu o surpreendi com minha atitude, calmo e sereno, agi com cordialidade e o convidei para entrar, sentar e tomar uma xícara de café. A fera por sua vez ao perceber que já não me intimidava assumiu também uma postura cortês, largou sua mochila de viajante e acomodou-se elegantemente, então o questionei.
- Oque desejas comigo? – Ele por sua vez antes de responder passou os olhos de meus pés até a cabeça, tentando encontrar algo em mim que no momento não consegui decifrar.
- Fiquei sabendo que você deu um novo rumo a sua vida e vim presencialmente verificar tal mudança! – Respondeu o chifrudo.
- Pensei que você viria para me presentear com mais destruição, discórdias e doenças! – Ironizei observando a fera sorrindo sarcasticamente enquanto mexia seu café.
- Você sabe muito bem que não possuo tal poder! Retrucou, porém revidei.
- Se realmente não possuis tal poder, me explique como você obteve êxito em promover tantas catástrofes em minha vida? – Indaguei curioso.
– Não me culpe pelos frutos que você plantou meu caro! – Defendeu-se o Demônio - Tudo que eu fiz foi oferecer aquilo que você desejava, o resto foi por sua conta, você e toda a sua raça vivem se auto sabotando, e o combustível desta confusão não está fora mas sim dentro de vocês, em suas mentes ignorantes e dispersas – houve um silêncio e em seguida ele prosseguiu - Raiva, apego, aversão, orgulho e vaidade são vocês que criam, eu trago apenas a faísca que acende esta fogueira de sofrimentos, eu simplesmente aponto para as coisas que estão fora de suas mentes (dinheiro, poder, auto satisfação) e vocês como um rebanho de ovelhas cegas se atiram nos precipícios da satisfação fugaz e artificial. Mesmo eu não podendo tocar em suas mentes, vocês vivem pensando em mim através das coisas que eu os ofereço, e se esquecem de existir. Então não me culpe por suas fraquezas, são vocês que buscam estes resultados.
- Mas enfim, qual é a sua missão? Porque sentes tanto prazer em ver o nosso sofrimento?
- Que pergunta tola! Já deverias saber que eu e você existimos porque desejamos as mesmas coisas, queremos alcançar algo maior, deixar este lugar ruim e voltar para nosso paraíso, mas infelizmente só haverá lugar para um de nós neste lugar!
- Não consigo entender seu argumento, você poderia ser mais claro?
- Serei mais didático! – Respondeu a fera – Apenas de forma alegórica, Imagine o Sol imponente e radiante, a seguir idealize o espaço ao redor como uma folha em branco, em seguida por mero descuido uma minúscula fração física do Sol se desprende (você) e passa a vagar pelo espaço incapaz de se identificar com a luz, neste instante naturalmente surge a sombra (eu) deste objeto. Eu sou esta sombra e você o pequeno objeto perdido, minha existência está presa e condicionada a sua experiência separada da luz, entendeu? Quanto mais você observa minha escuridão, mais distante da luz estaremos.
- Então você e eu temos muito mais em comum do que imaginei!
- Sim, e foi exatamente por este motivo que eu vim me despedir de você!
- Se despedir? Por quê? – Exclamei confuso.
- Agora que você perdeu o medo de mim e já conhece a verdade, já és um iluminado e eu viverei eternamente nas sombras como um derrotado! - Exclamou ele com olhar triste e melancólico.
- Oque eu poderia fazer para salvar você deste terrível fim? – Questionei-o com certo ar de empatia.
- Nada pode ser feito, minha extinção certamente ocorrerá em breve, a menos que...!
- A menos que..? – Indaguei curioso.
- Façamos um acordo! – Sugeriu o Demônio. – Troque de lugar comigo, deixe-me acender ao paraíso e em troca você poderá viver na terra como um Deus, todos beijarão os seus pés e serão seus servos. - Em seguida ele retirou de sua mochila uma gaiola cheia de pássaros e orientou-me. – Enquanto você mantiver estes pássaros presos, você será um deus e terá o mundo a seu dispor.
- Este acordo te fará feliz? – Perguntei olhando nos seus olhos.
- É Logico que sim!
- Sendo assim, eu aceito!
O Demônio sorriu triunfante, pois acabava de persuadir outra vitima utilizando seus velhos truques desleais, em seguida, após um forte aperto de mãos o chifrudo levantou-se e despediu-se.
- Espero que passe bem e aproveite seu reinado nesta terra! – Exclamou ele indo em direção a saída, no entanto, antes de sair ele parou e curioso perguntou. – Mas enfim, qual foi a grande mudança que lhe deu coragem para me enfrentar? – Sem pensar duas vezes eu lhe respondi.
- Aprendi que minha felicidade só será completa quando compartilhada com os demais seres, sem exceções. – E em seguida abri a gaiola soltando todos os pássaros que felizes sumiram no céu cinzento. Atordoado, os olhos do Demônio se encheram de pavor e furioso ele sumiu deixando apenas a fumaça no espaço e um cheiro forte de enxofre no ar. Então, aprendi que, “Um bom coração nunca poderá ser enganado nem pelo Demônio”.
Texto: Lucas Pereira
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